O cara que ninguém viu


Ele passou seu perfume como quem acende um ritual. Escolheu a roupa com carinho — nada espalhafatoso, mas que dissesse algo. Um pouco de cor, um pouco de pele, um pouco de vontade. Se olhou no espelho três vezes. Não se achou lindo. Mas também não se achou invisível. Ainda não.

Saiu de casa com aquela mistura de expectativa e proteção: “não espero nada, mas vai que...”

A música na balada estava boa. As luzes dançavam mais que as pessoas. Ele sorriu com amigos, brindou, dançou um pouco. Mas algo faltava. Algo escorria no fundo do peito como uma água fria.

A cada risada, ele olhava em volta. Esperava um olhar. Um só. Aquele que dura um segundo a mais que o normal. Aquele que diz: “eu te escolheria nessa multidão.”

Mas ele não veio.

As pessoas vinham falar com ele, sim — mas só pra perguntar sobre os amigos. Elas passavam por ele como quem passa por uma árvore no caminho: útil, bonita, mas não o destino.

A madrugada foi passando, e ele foi encolhendo. Não por fora — por dentro. O corpo ainda dançava, mas a alma já tinha se sentado num canto escuro.

No fim da noite, ele foi embora com uma estranha sensação de ausência. Não era solidão. Era algo mais cru: a dor de não ser desejado.

Chegou em casa, tirou a roupa devagar, encarou o espelho pela quarta vez.

Será que eu tô ficando feio?
Será que envelheci por dentro?
Será que só sirvo de escada pra outros serem vistos?


Não chorou. Mas também não dormiu.

Sentou-se na cama e começou a escrever. Porque, se ninguém olhou pra ele essa noite, que ao menos suas palavras o olhassem...


(inspirado numa noite que realmente aconteceu — comigo)

Comente

Postagem Anterior Próxima Postagem